Andressa Mourão Duarte é uma entre as centenas de estudantes que a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) acolhe todos os anos para, dentro de suas salas de aula, estudar, trocar conhecimentos e trilhar sua formação profissional. Aluna do 1º semestre da licenciatura em Ciências Sociais e já formada em bacharelado pelo mesmo curso, ela veio de Pelotas em 2014 e, aqui, na cidade universitária, constrói seu futuro. Às 16h desta terça-feira, Andressa sofreu uma violência dentro dos portões da UFSM pela terceira vez neste ano.
_ Me sinto totalmente desrespeitada. O meu nome não estava lá, mas eu também sou atingida por essa violência, que é contra todos os estudantes negros da UFSM. Você viu a frase? Havia uma suástica nazista desenhada na parede. Isso é um desrespeito contra todos os alunos. A UFSM não pode cruzar os braços e ficar no discurso porque a sensação de impunidade só aumenta. E como nós, alunos negros, ficamos agora? A UFSM vai deixar um aluno negro ser agredido fisicamente para tomar uma atitude? _ desabafou a jovem aluna, ao telefone, nesta manhã.

Às 16h desta terça-feira, Andressa tomou conhecimento, por meio de uma colega, da fotografia que já circulava no WhatsApp: uma pichação de frases racistas e suásticas nazistas na parede do Diretório Acadêmico do curso de Ciências Sociais.
Esta é a terceira manifestação racista que ocorre na UFSM neste ano. Os outros dois casos ocorreram no Diretório Livre do Direito. Em agosto, uma suástica (símbolo nazista) foi desenhada na parede. Em setembro, alunos encontraram a frase "Fulano e fulana*, o lugar de vocês é no tronco, fora negros, negrada fora" em uma das paredes.
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SENTIMENTO: FALTA DE APOIO
Advogada, professora universitária e militante da causa, Deborá Evangelista foi acionada por Andressa assim que a estudante soube do caso. Orientada sobre como deveria proceder, Andressa buscou o gabinete do reitor, para relatar o caso e pedir uma providência.
_ Fomos até o gabinete do reitor, onde falei com o secretário, mostrei a foto e disse que o caso tinha acontecido há pouco. Ele só me disse que a UFSM era totalmente contrária ao ato racista e me orientou a buscar a Ouvidoria e a Polícia Federal. Eu perguntei se ele não ia tomar uma atitude para nos ajudar, mas ele disse que nada poderia fazer. O reitor estava lá e não foi nem avisado. Só que, nesta hora precisamos de uma atitude, precisamos nos sentir representados, acolhidos _ afirmou a estudante.
Logo depois, Andressa foi à PF na companhia da coordenadora do curso e de Deborá Evangelista. No local, outros estudantes esperam a aluna para fazer o registro de ocorrência. Uma equipe de peritos foi até a UFSM, fez o registro fotográfico e liberou a sala do diretório, que não tem câmeras de segurança.
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Atuante na causa, a professora Deborá considera que a reitoria da UFSM precisa ter uma atuação mais efetiva nesse caso:
_ Os alunos estão assutados e indignados, com medo de serem agredidos fisicamente, e a UFSM não está dando conta. Não é que a universidade esteja fazendo pouco. Ela não está fazendo. Este é um momento em que teríamos de despontar no país como instituição atuante, que vai resolver a situação. A UFSM é grandiosa e tem de dar uma resposta para a sociedade santa-mariense.
A impunidade (nenhum dos outros dois casos teve um desfecho até o momento), segundo a professora, é perigosa:
_ Aconteceu uma vez, duas vezes... E qual a leitura disso quando não temos uma solução, uma política eficiente para resolver a situação? Que pode acontecer de novo. Não temos como colocar câmeras de segurança em todo o campus, como foi feito aqui Direito. Temos de ter uma política atuante e efetiva de combate ao discurso de ódio, uma política que mostre que os casos não cairão na impunidade. As únicas ações efetivas que foram feitas até agora partiram dos alunos, nos coletivos que se preocupam com a situação e estão buscando formas (palestras, debates, protestos) para debater o tema e conscientizar. A UFSM apóia esses movimentos. Não. Está na hora de ela ser a promotora dessa frente de mudança. Ou vamos ser conhecidos como a universidade racista.
Como sugestão de políticas efetivas, a professora crê em mobilização envolvendo professores, coordenadores de curso e alunos
_ A UFSM chamou os coordenadores de curso? Fez um mapeamento dos alunos negros na instituição? Implantou uma política prática para coibir os casos? Em seu discurso, o reitor sempre apóia os movimentos dos alunos, mas está na hora dele tomar a frente.
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O QUE DIZ O REITOR DA UFSM
Após sair de uma reunião com a coordenação do curso de Ciências Sociais, nesta manhã, o reitor da UFSM, Paulo Burmann, conversou com o Diário sobre o fato e sobre o sentimento dos alunos sobre o caso:
_ Eu compreendo a indignação dos estudantes, que estão se sentindo ameaçados. A reclamação deles é procedente. Mas quero deixar claro que a UFSM está estudando uma forma de promover um amplo debate em um seminário promovido pela reitoria envolvendo alunos, professores, coordenadores de cursos. Todo o aparato que temos (ouvidoria, comissão de sindicância, setores administrativos) estão trabalhando para fornecer informações para a Polícia Federal e identificar os autores deste ato racista e covarde .
O reitor reiterou que este não é um fato isolado, mas uma ação organizada para atacar alunos negros e, por meio deles, a política de inclusão social e cotas implantada pela UFSM.
_Temos de promover a mudança desta cultura racista, que é maior que a UFSM, tem raízes na nossa sociedade, e a universidade não fica imune a isso. Os alunos negros que trazemos para estudar aqui têm de ter as mesmas condições de apoio e segurança que os demais. Esse é um problema nosso, de cada um de nós e que precisa de ações urgentes.
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INVESTIGAÇÃO
Ao Diário, a PF informou, nesta manhã, que um delegado deve ser designado para o caso na tarde de hoje.
Hoje, alunos do curso e militantes da causa negra dentro da UFSM devem registrar ocorrência no Ministério Público Federal (MPF)